Reforma administrativa será texto da Câmara, não do governo, diz presidente de comissão especial

Reforma administrativa será texto da Câmara, não do governo, diz presidente de comissão especial
Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Deputado Fernando Monteiro afirma que avaliação tem de ser do serviço, e não do servidor, e rejeita tese de corte de gastos

Por Danielle Brant e William Castanho

Presidente da comissão especial da reforma administrativa, o deputado Fernardo Monteiro (PP-PE) afirmou que a Câmara vai entregar um texto próprio, sem adesão completa às teses do governo.

"A ideia do relator [Arthur Maia (DEM-BA)], e ele já falou isso publicamente, é exatamente um texto que seja o debatido na Câmara", disse ao ser questionado sobre a fidelidade à PEC (proposta de emenda à Constituição) apresentada pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).

"Como digo sempre, o Congresso é soberano", afirmou

Monteiro disse ainda que o colegiado que analisa o mérito da reforma vai focar a qualidade do serviço público, valorizando o desempenho dos servidores. "A avaliação não é do servidor, tem de ser do serviço."

O presidente da comissão ainda rejeita argumentos baseados em corte de gastos. "Eu acho inclusive uma temeridade querer mexer no serviço público por meio da economia." Leia os principais trechos de entrevista à Folha.

Como o sr. vai organizar os próximos passos do trabalho na comissão especial?

Foram apresentadas 45 emendas. Essas conseguiram seus números de assinatura, que é no mínimo 171. Agora, nos próximos passos, o relator, deputado Arthur Maia, vai pegar todas, ver se tem alguma que adeque ao seu pensamento, e nós vamos debater durante as sessões. Devemos ter sessão até 20 de agosto. Agora é ler e debater. Tem umas que vão ser aceitas, outras não. Na verdade, a emenda é importante até para que, caso o relator não aceite, possa se fazer um destaque [no plenário].

O resultado final do texto vai sintetizar as ideias debatidas na Câmara ou vai ser fiel ao texto proposto pelo governo?

Vai ser debatido na Câmara. A ideia do relator, e ele já falou isso publicamente, é exatamente um texto que seja o debatido na Câmara. Ele já até falou inclusive sobre essa questão dos salários e cargos de comissão. Ele mesmo já falou que vai alterar. Como digo sempre, o Congresso é soberano.

Tem emendas que pedem para incluir outros Poderes que ficaram de fora da reforma. Esse tipo de emenda tende a ser acatada?

Na verdade, o debate é se é ou não é constitucional. Foi trazido na terça-feira passada (6), quando a gente trouxe os juízes. Deixou a impressão de que não era constitucional, mas vamos debater. Colocar um Poder é ou não é constitucional? Isso é um debate que tem que ser feito. Não adianta a gente querer colocar ou não colocar, e aí a gente que tem um problema jurídico depois. A minha preocupação com esta reforma é deixá-la de uma maneira escrita que fique muito bem-feita para não haver interpretações, e não trazer no futuro um contencioso fiscal para o Brasil.

Já foram feitos debates com juízes. Quem diz que há constitucionalidade ou que não há, qual a avaliação que a comissão tem neste momento? Pode incluir membros de outros Poderes ou não?

Está muito cedo ainda para tomar uma decisão. Nós temos ainda audiência pública. Isso é muito dinâmico. O mais importante na comissão é ouvir. A comissão ainda não tem uma opinião formada na questão do Judiciário. Mas foi trazido pela magistratura e pelo Ministério Público que é inconstitucional.

A discussão de incluir outros Poderes tem relação com o impacto da reforma em si, de cortar mais gastos.

Todos os países do mundo que reformaram o Estado não pensaram em economizar. Eles pensaram na eficiência. A questão de reformar o Estado é eficiência, tem de procurar eficiência, não é espaço fiscal. Eu acho inclusive uma temeridade querer mexer no serviço público por meio da economia. Nós estamos pensando em eficiência, como melhorar. Então o debate é como melhorar o serviço público. Não é aqui cortar gastos.

O sr. destacou o debate diálogo na construção do texto. São carreiras com forte lobby em Brasília, como analistas da Receita, o próprio Ministério Público, o Judiciário. Como está o diálogo com a base, a enfermeira, o médico, o professor? Quantas audiências foram realizadas para ouvi-los?

Não foram ainda, porque ainda tem muito para acontecer. Foram realizadas audiências na Câmara na Comissão de Educação, foi feito um debate com professores. Vamos ouvir na comissão mais de 80 pessoas. Depende das categorias. Quem tem me procurado eu tenho escutado, estou exaurindo o debate na comissão ou em reunião de gabinete. E vai ter debate na educação, estamos esperando requerimentos serem aprovados para poder marcar. Acho que é importante que as categorias participem para dar sua contribuição.

Quem fala em economia é o governo. O ministro Paulo Guedes disse que pretende ter um impacto fiscal de R$ 300 bilhões. O sr. apresenta um argumento da eficiência do serviço público. Quais as previsões legais que estão em elaboração que vão melhorar o serviço público no Brasil?

Tem vários aspectos. Quando você consegue mudar de função uma pessoa, isso está no texto. Hoje ela passa no serviço público e fica até o final nesse cargo. Isso é motivação. Quantos jovens começam na profissão e no meio do caminho mudam? Se pegar as carreiras em mercado privado, tem engenheiros, administradores, arquitetos.

O texto vai trazer essa possibilidade de poder fazer essa migração. Até porque muitas carreiras vão deixar de existir e vão nascer outras, no mundo todo. Isso não é uma invenção do Brasil. Têm lugares que precisa de mais gente, e têm lugares que precisa de menos gente. A evolução nos traz a esse remanejamento.

O sr. falou em avaliação. O sr. é a favor do fim da estabilidade? Só ficaria para cargos típicos?

Veja, algumas carreiras precisam ser debatidas. A avaliação não é do servidor, tem que ser do serviço. A condição de trabalho é fundamental para se produzir aquele serviço. É isso. Parece que o servidor não trabalha, ganha muito. E não é isso. Precisa saber se tem condições de produzir. Então a avaliação tem de ser do serviço, e não do servidor.

A questão do desempenho já está na Constituição. Isso deveria ter sido regulamentado por lei para os atuais servidores. A PEC não traz esses critérios, deixa em aberto. Não vai cair na mesma questão, de exigir uma avaliação que ninguém sabe quais são os critérios?

Esse é o debate. Não podemos tratar avaliação em PEC, eu entendo que não. É importante aquela redação lá atrás de que todo direito será mantido. Quer dizer, tudo vale daqui para a frente. Por isso eu falo que não enxergo o fiscal. Eu enxergo a eficiência.

Não pode é deixar um vácuo para deixar algum governo que venha fazer alguma que depois nos traga um contencioso fiscal lá na frente. A avaliação pode ser implementada rapidamente, basta o critério não ser pessoal, ser do serviço. O que não pode haver, no caso, é perseguição. Isso aí a gente tem de deixar muito claro para que não haja essa perseguição. A avaliação, acredito, vai ser uma das primeiras medidas, a PEC passando, que vai ser colocada em projeto de lei.

Sobre as avaliações, elas serviriam para os servidores antigos também, certo?

Isso é que tem que avaliar, são essas dúvidas que a gente precisa tirar na comissão. Acredito que sim, mas resguardados os seus direitos.

Considerando o caso do irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que apontou irregularidades no Ministério da Saúde, há a questão da estabilidade. Essa possibilidade de o funcionário poder denunciar irregularidades sem sofrer retaliação está sendo contemplada na comissão?

É você ter as ferramentas para trabalhar. Isso é uma coisa. A gente não está avaliando a pessoa, estamos avaliando o serviço. Então a pessoa denunciar ou não denunciar é uma questão pessoal dela. Se está errado, tem de denunciar. A pessoa não vai denunciar por causa do emprego. Não é porque ele vai denunciar que ele vai ser demitida. Não é a estabilidade que vai fazer ela ser ou não ser demitida. Não é a estabilidade que vai fazer ele falar ou não falar quando vir uma coisa errada.

O sr. acha que conclui os trabalhos quando?

Entre 20 e 30 de agosto.

Há uma preocupação com desidratação do texto. O senhor se preocupa com isso?

Vai ter uma modificação na comissão. Isso não significa desidratar. O texto está evoluindo. Nem tudo que vem está tudo certo. O debate serve para isso.

Fonte: Folha de S. Paulo

 

Publicado em 21/07/2021 às 10:51

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